É tudo culpa dos pais?
- Mirlane Souza
- 12 de dez. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 13 de dez. de 2024

Desde que Sigmund Freud (1856-1939) trouxe à luz o Complexo de Édipo e lançou os alicerces de sua teoria sobre a Sexualidade Infantil, a pergunta sobre o peso de nossos pais em quem nos tornamos parece ecoar sem cessar. Afinal, quem somos? Por que somos assim? O que nos move a escolher um caminho e não outro? E mais: o que se passa nas crianças, nos conflitos de sua infância que atravessam a vida adulta como uma sombra?
Não, nem tudo é culpa dos pais. Relacionar-se apenas com homens autoritários porque seu pai era assim e você internalizou esse modelo pode até trazer uma explicação, mas dificilmente será o ponto de partida para uma mudança real. Buscar mulheres maternais, porque sua mãe era afetuosa, ou fazer o oposto e se afastar de tudo que lembra seus pais também não garante um avanço no enfrentamento dessas questões.
Freud, e depois psicanalistas como Sophie Morgenstern (1875-1940) e Françoise Dolto (1908-1988), ampliaram essa discussão. Dolto, em especial, com sua militância em afirmar que crianças são sujeitos, ajudou a fundar a Psicanálise Infantil como a conhecemos hoje. Eles nos mostraram que, desde muito cedo, somos agentes de nossas próprias escolhas. Mesmo pequeninos, já desejamos, queremos, sofremos e, de alguma forma, lidamos com isso – dentro das possibilidades que o mundo nos oferece e também a partir da singularidade que nos compõe.
Sim, os pais e cuidadores são nossos primeiros guias, nossos tradutores no encontro com o mundo. Eles decifram nossos gestos, balbucios, choros e nos devolvem em palavras o que não conseguimos expressar. A maneira como nos acolhem, interpretam e traduzem as experiências molda nossa percepção inicial da realidade. Por isso, é impossível ignorar a influência que têm. Mas influenciar não é o mesmo que determinar. Pais falham, como todo humano, e muitas vezes nos deixam marcas. Essa é a condição de existir.
Porém, com Freud e Dolto aprendemos algo precioso: não somos passivos diante da vida. Não estamos condenados a repetir ou apenas reagir ao que nos aconteceu. Podemos nos perguntar por que, por exemplo, um irmão se torna tão imune às palavras dos pais enquanto outro se curva a elas como um destino incontornável. Ou por que alguns vivem para negar os caminhos familiares, enquanto outros os repetem como um fardo.
Os outros nos afetam, e isso é inevitável. Mas a questão é: como nos posicionamos diante desse impacto? O desafio não é evitar que os outros nos toquem, mas nos permitir atuar sobre o que nos afeta. Encontrar espaço para inserir algo de nosso, interferir, criar.
Há sempre algo a ser feito em relação ao sofrimento, seja ele enraizado na infância ou surgido na vida adulta. Isso vale tanto para crianças, que precisam de espaço para experimentar, decidir e construir confiança em suas escolhas, quanto para os adultos que, ao se dar novas chances, podem reinventar caminhos, revisitar seus desejos e sair do automatismo de escolhas alienadas. Afinal, somos, antes de tudo, seres em movimento, capazes de criar novos destinos para velhas histórias.
Por Mirlane Souza
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