Onde Estava o Id, Deverá Advir o Ego: Reflexões Psicanalíticas
- Mirlane Souza
- 13 de dez. de 2024
- 3 min de leitura

Freud nos deixou uma frase que reverbera como um enigma e um convite: "Onde estava o id, deverá advir o ego." Em poucas palavras, ele desenhou o mapa de uma travessia interior — uma jornada do caos pulsional para a construção de significado. Mas o que isso realmente significa? E por que ainda ressoa tão profundamente em nossa busca por autoconhecimento?
Vamos decifrar essa ideia, mergulhando no universo da psicanálise e suas promessas de transformação.
O Id: O Que Nos Move Sem Que Percebamos
O id é como um rio subterrâneo que corre sob os alicerces da psique. É o lugar das pulsões, dos desejos mais primitivos, onde tudo pulsa sem filtro, sem censura. Ele não pede licença; ele invade. Está nos lapsos de memória, nos sonhos que inquietam, nos desejos que preferimos esconder. É a parte de nós que fala quando calamos, que age quando hesitamos.
Mas, embora seja força, o id não é caos pelo caos. Ele é energia vital, potência. O problema está em como lidamos com ele: ignoramos, reprimimos, ou — no melhor dos cenários — tentamos escutá-lo.
O Ego: Mediador Entre o Desejo e a Realidade
Se o id é o rio subterrâneo, o ego é a ponte que tenta cruzá-lo. Ele não está lá para barrar o fluxo, mas para dialogar com ele. O ego é o mediador, aquele que busca traduzir os impulsos do id em algo que possamos viver, sem nos perdermos nem nos anularmos.
Quando Freud escreve que "o ego deve advir onde estava o id", ele está nos convocando a integrar o que nos move de forma inconsciente. Não se trata de apagar o desejo, mas de transformá-lo em algo que faça sentido para nós. É uma tarefa delicada: um trabalho de escuta, de paciência, de coragem.
O Processo de Transformação: O Ego "Advém"
Essa ideia de que o ego "advém" onde estava o id nos convida a pensar na psicanálise como uma travessia. Não é uma conquista rápida, nem uma vitória do controle sobre o desejo. É mais como aprender uma nova língua: a língua do inconsciente, com seus símbolos, seus silêncios, seus gritos.
Essa travessia é exigente. Pede que enfrentemos aquilo que tentamos evitar. Pede que sentemos ao lado de nossas sombras e aprendamos com elas. Mas, ao mesmo tempo, é profundamente libertadora. Porque é no diálogo com o id que descobrimos quem realmente somos — além das máscaras, das convenções, das expectativas externas.
Por Que Isso Importa Hoje?
Em tempos onde somos bombardeados por promessas de controle e produtividade, a frase de Freud nos lembra de algo essencial: o humano é feito de tensão, de conflito, de contradição. Não há harmonia perfeita entre o que desejamos e o que podemos. E está tudo bem.
A psicanálise não propõe certezas, mas convida à escuta. Escutar o id é, antes de tudo, escutar o que há de mais vivo em nós. Permitir que o ego traduza isso para o mundo é um ato de criação — talvez o mais humano de todos.
Um Convite à Travessia
"Onde estava o id, deverá advir o ego." Essa frase não é apenas teoria. É prática, é vida. Ela nos provoca a olhar para dentro, a dialogar com o que há de mais íntimo e, muitas vezes, desconfortável.
Freud nos deixa uma promessa: de que nessa escuta — por mais difícil que pareça — existe a chance de criar algo novo. Não um controle absoluto, mas uma reconciliação possível. Uma vida onde o desejo não é sufocado, mas integrado. Onde o inconsciente não é temido, mas acolhido.
Transformação não é sobre certezas. É sobre coragem. E cada um de nós carrega, em si, o potencial para essa travessia.
Por Mirlane Souza
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