top of page
Buscar

Notas sobre o atendimento psicanalítico

Freud, em sua lucidez desconcertante, já nos alertava: a psicanálise não é panaceia, tampouco milagrosa. Ela se insere em um território denso e árduo da experiência humana, onde os atalhos não existem e o tempo é um preço inevitável. Ainda assim, diante de certas enfermidades psíquicas, é a única possibilidade real de tratamento; para outras, é a que oferece os resultados mais duradouros, embora sempre ao custo do esforço sincero de quem se aventura por esse caminho.


No consultório, o trabalho proposto segue essa linhagem freudiana, com ecos lacanianos que nos convidam a um retorno constante às palavras e seus desdobramentos. É na palavra — nesse gesto aparentemente simples de dizer o que vem à mente — que a cura encontra uma possibilidade de nascer. O dispositivo analítico, essa invenção revolucionária de Freud, deu à palavra um estatuto inédito: não como mero veículo de comunicação, mas como revelação, abertura, ponto de encontro com aquilo que em nós desconhecemos. Ao reconhecer a subjetividade como essencial, ele trouxe o inconsciente à cena, não como algo a ser dominado, mas como uma força a ser ouvida.


Hoje, no entanto, vivemos sob o peso de uma modernidade exigente. A promessa de alegria constante e de vidas perfeitamente plenas se choca com uma realidade de pressões insustentáveis. Não há espaço para a dor ou o luto; eles são tratados como desvios indesejados em uma linha de produção que exige respostas rápidas, eficiência, felicidade performada. O sujeito se perde em um emaranhado de escolhas que não são realmente suas, imerso na sensação de que o que quer — ou quem é — permanece obscuro. Nessa trama, surgem os sintomas: ansiedade, depressão, pânico, insuficiência. O vazio toma forma.

As soluções oferecidas pelo mundo moderno muitas vezes buscam apagar o sintoma, adaptando o sujeito às demandas da realidade social. Mas, na psicanálise, o convite é outro. Não se trata de moldar o indivíduo para que ele se ajuste, mas de lhe devolver a pergunta que o sintoma grita: o que você quer fazer com isso? Esse é o ponto em que a palavra, ao ser dita, encontra seu eco na escuta. E, nessa troca, algo novo pode emergir.


Na travessia psicanalítica, não há garantias, mas há uma aposta: que cada sujeito, ao escutar-se, descubra o que deseja de forma autêntica. Que sua história possa ser reescrita não como uma imposição externa, mas como uma criação íntima. Porque é nesse movimento de apropriação do desejo que a vida se torna possível de ser vivida — não sem dificuldades, mas com a verdade singular que pulsa em cada um.


Por Mirlane Souza

 
 
 

Comentários


beauty_20241213230619_edited.jpg

Olá, que bom ver você por aqui!

Este espaço é um convite para refletir, sentir e se conectar com temas que atravessam nossa existência — do amor às redes sociais, da subjetividade às nuances do inconsciente. Aqui, a psicanálise dialoga com a vida cotidiana, abrindo janelas para novos olhares e caminhos. Seja bem-vinda(o)!

Fique por dentro de todos os posts

Obrigado por assinar!

  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter
  • Pinterest

Compartilhe a sua opinião

Obrigado pelo envio!

© 2024 - Mirlane Psicanalista - CNPJ: 29.647.262/0001-24
bottom of page